Como elaborar exposições: elaboração de material didático

Ana Elizabeth Dreon de Albuquerque
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – CAp/UERJ.


A cidade do Rio de Janeiro costuma receber importantes exposições de Arte Plástica procedentes de países hispânicos. Foi pensando na responsabilidade que nós professores temos em relação à arte quando levamos nossos alunos aos museus que comecei a trabalhar, na Prática de Ensino de Espanhol III, a proposta de elaboração de material didático, a partir de exposições visitadas, tendo como público-alvo alunos do ensino médio.

Palavras-chave: material didático; ensino de espanhol; prática de ensino.

        Levar nossos alunos a exposições é torná-los mais ricos culturalmente; é dar-lhes a oportunidade de, através da arte, apreender diferentes momentos históricos, diferentes movimentos e linguagens artísticas, e perceber semelhanças e diferenças no modo de ver e de viver de cada povo.
        Por essa razão, inseri no curso de Prática de Espanhol III a elaboração de um material didático voltado para visitas a exposições, cujo objetivo é o de levar o estagiário a perceber que não é suficiente ir com os futuros alunos a exposições e mostrar-lhes um Botero, um Picasso ou uma Frida Kahlo. Faz-se necessário um mergulho mais profundo na obra do artista, no seu entorno, no momento histórico vivenciado, para que se possa extrair algo mais que a beleza da obra que se vê. Há que se pensar, portanto, em como se tirar o máximo de proveito de uma exposição, a fim de que o aprendizado não se resuma ao ato de olhar. Caso contrário, que diferença há entre ir a uma exposição e a de pesquisar sobre o seu objeto de desejo em bibliotecas ou em sites de Internet?

A ESCOLHA DA EXPOSIÇÃO A SER VISITADA.

        Como a cada semestre, há um novo grupo de alunos compondo a Prática III, procuro informar-me, com uma boa antecedência, sobre as exposições que estarão acontecendo no Rio numa determinada época.
        Para que o trabalho possa se desenvolver a contento, é preciso que a exposição a ser selecionada perdure por pelo menos um mês e meio depois de iniciadas as aulas na graduação. Esse prazo é importante porque dá a oportunidade de os alunos conhecerem o tipo de trabalho a ser desenvolvido, ir à exposição – com tempo -, elaborar o material didático e, se necessário, ainda ter tempo de refazê-lo.
        Por sorte, ou por empenho dos diretores dos museus, ou até mesmo dos secretários de cultura, a cada semestre o Rio tem sido contemplado com, pelo menos, uma grande exposição. E, em geral, essas exposições acontecem no meio do semestre letivo.
        Pelo fato de o objetivo do trabalho ser a elaboração de um bom material didático, dou preferência a exposições de artistas hispânicos, até porque o grupo de professores a serem formados é de espanhol, mas sem que isso se torne uma camisa-de-força. Às vezes, há uma exposição paralela, que é tão importante quanto a de artistas hispânicos, e eu dou a oportunidade de o aluno escolher com qual delas ele prefere trabalhar.
        Entretanto, algumas poucas vezes coincidiu de não haver nenhuma exposição nova que justificasse a elaboração de material didático. Nesse caso, eu costumo selecionar Centros Culturais ou um dos museus do Rio – que pode ser o MIAN (Museu Internacional de Arte NAIF), o Museu da República, ou o Museu de Belas Artes.
        O MIAN tem a vantagem de ser pouco conhecido, ainda que apresente exposições em qualquer época do ano e tenha um acervo maravilhoso. Por outro lado, o Museu de Belas Artes, bem como o Museu da República, costumam ser extremamente didáticos na montagem das exposições, o que facilita o trabalho do estagiário.
        Uma vez definida a exposição a ser visitada, e antes de anunciar aos alunos essa escolha, eu visito a exposição selecionada para ver como está organizada, para tomar conhecimento sobre o material impresso que se encontra à disposição do público, para ler as informações que constam nas paredes e nos painéis, para observar se há presença ou não de guias (havendo, faço a visita com eles) e se há salas interativas. Paralelo a isso, recolho todo o material de veiculação apresentado na mídia e faço uma pesquisa sobre o que vem a ser o motivo da exposição. Tudo com o objetivo de verificar as possibilidades concretas de se montar um bom material didático.

A RECEPTIVIDADE À IDÉIA DO TRABALHO E À FORMAÇÃO DOS GRUPOS

        Convencer os estagiários sobre a importância de sair da sala de aula padrão e passar a ver o museu como um segmento desse espaço não é tarefa das mais simples. Em geral, há uma rejeição inicial à proposta de trabalho: ou porque tem de deslocar-se até o museu, ou porque não costuma ir ou nunca foi a museus, ou até porque não gosta de freqüentar museus. Os motivos são vários, mas o fato de o trabalho se transformar em nota, de ser em dupla e de haver a possibilidade de refazê-lo, caso a proposta não tenha alcançado o seu objetivo inicial, faz com que se rompa a primeira barreira, que é a de ter o espírito fechado para novidades.
        A idéia de se fazer o trabalho em dupla advém da dificuldade de se elaborar, pela primeira vez, esse tipo de material didático. Acredito que o olhar do outro ajuda a perceber mais detalhes sobre o que se observa, ou seja, duas pessoas podem compartilhar, divergir ou complementar a visão que têm sobre o objeto visitado, e isso só tende a enriquecer a visita e, conseqüentemente, o trabalho.

A ELABORAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO.

        A escolha da exposição, o conceito geral do trabalho e a escolha dos pares precedem à explicação sobre como será elaborado o material didático, para que saibam o que será exigido deles. Esse material didático se compõe basicamente de uma apresentação e de (um mínimo de) 10 perguntas que deverão ser “respondidas” pelo aluno do ensino médio. E, ainda que pareça óbvio que as perguntas elaboradas, numa situação real, devem ser entregues ao aluno de Ensino Médio antes de ele ir à exposição, até porque não se trata de um trabalho de memorização, esta é uma das muitas dúvidas que surgem nessa aula explicativa. Vale lembrar que como o que se visa é a exposição, e não o domínio da língua estrangeira (E/LE), as perguntas são feitas em português.

A apresentação

        A apresentação consta basicamente de dados sobre o tema da exposição, que pode se prender a um determinado pintor ou escultor, a movimentos artísticos, ou a momentos históricos, como em: Botero / Surrealismo / Picasso em tempos de guerra / Esplendores de Espanha. É através da apresentação que o estagiário começa a fazer com que o seu futuro aluno penetre no ambiente da exposição, por isso é interessante que, além de ser informativa, se procure com ela cativar o aluno para que ele não veja a exposição como mais um trabalho a ser feito.
        Eis um exemplo de como elaborar uma apresentação:

        PABLO RUIZ PICASSO - pintor espanhol nascido em Málaga em 1881 e que morreu em 1973 com 92 anos, dos quais 75 foram dedicados à pintura - é considerado por muitos o artista que melhor interpretou estes últimos cem anos.
        Picasso foi o precursor de um dos maiores movimentos artísticos deste século, imprimiu sua marca em outros movimentos que testemunhou, como o surrealismo, transformou seu estilo várias vezes e mesclou o retrato do mundo e da política com os reflexos de sua vida íntima. Picasso transformou sua arte numa espécie de testemunha privilegiada dos fatos, nunca cedendo a associações fáceis com a ditadura de Franco ou com o autoritarismo fascista.
        Segundo o próprio pintor, suas telas, concluídas ou não, eram páginas de seu diário. Diário esse repleto de histórias de amor por mulheres belas, inteligentes e ricas que foram seduzidas por ele e com as quais se casou ou das quais foi amante. Tais mulheres tiveram papel fundamental não só em sua vida, mas também em sua obra. Por essa razão, estudiosos de Picasso conseguem identificar a relação entre as diferentes mulheres e as diferentes fases do pintor (azul, rosa, revolução cubista, de inspiração clássica, expressionista, pinturas do cotidiano familiar e variações de obras-primas de Manet y Velázquez), ou seja, a cada momento pessoal encontra-se uma correspondência visual.
        Neste final de século, o Brasil tem sido brindado com algumas exposições de sua obra e, neste momento, o MAM abre a exposição “Picasso – Anos de Guerra, 1937 – 1945”, que se encerrará no dia 7 de setembro, com cerca de 140 pinturas, esculturas, desenhos e gravuras, feitas durante o período em que a Europa passava por grandes conflitos bélicos, e que tem nas figuras femininas o contraponto aos campos de batalha.
        Ir a esta exposição é não só poder desfrutar do direito de apreciar parte da obra de um dos maiores gênios da pintura, mas também de poder receber uma aula de história, uma aula de luta contra a miséria humana, contra o poder corrosivo e destrutivo do ser humano e sobre o grande prazer que é o de desfrutar as coisas simples e boas da vida.


        Perguntas: como elaborá-las?

        Se fazer uma apresentação que seja didática e informativa tem os seus percalços, preparar 10 questões que tenham um bom nível de elaboração demanda um olhar mais atento que nem sempre os estagiários estão acostumados a ter. Por essa razão, muitas vezes os alunos têm de refazer as perguntas elaboradas: porque se atêm a meros “achismos” dos alunos, porque se fixam em informações que se podem encontrar em enciclopédias e não vão além disso, porque são informações que têm o óbvio como resposta, e porque se prendem a detalhes que não avaliam nenhum tipo de saber do aluno nem ao menos buscam torná-lo curioso diante do que vê.
        Seguem alguns exemplos de perguntas que tiveram de ser refeitas:

     a) Na sua opinião, por que o Museu Internacional de Arte Naif não é tão visitado como outros museus do Rio de Janeiro?
     b) Qual a importância da arte NAIF no Brasil e no mundo?
     c) Qual o critério adotado para organizar as telas de Debret na exposição do museu Chácara do Céu?
     d) Cite uma obra da exposição que você tenha gostado mais.

        É bom lembrar que as perguntas devem fazer com que o estudante se envolva com a exposição, que esteja atento a detalhes, que relacione o que vê com outros saberes, que busque absorver o máximo de informações possíveis, que aproveite as informações prestadas pelos guias, pelo que se encontra escrito nas paredes, nos folhetos, que não apenas passeie com o olhar e sim que respire o que está vivenciando. Se, por um acaso, alguma das 10 perguntas fugir a essa concepção de trabalho, a dupla recebe de volta o material que elaborou, é orientada no sentido de entender em que momento houve falhas na confecção do material, qual deve ser o caminho a ser trilhado e ganha mais um prazo (já previamente estabelecido) para refazer o trabalho. O mais corriqueiro tem sido a reelaboração de parte das perguntas: 90% dos trabalhos apresentados. Raros são aqueles que não necessitam de algum tipo de retoque, assim como são raros os que exigem uma reelaboração quase que total do trabalho.
        Seguem alguns exemplos de perguntas elaboradas por estagiários que buscam essa reflexão do aluno:

     a) A pergunta a seguir se reporta a uma das várias exposições itinerantes do MIAN. No caso específico, tratava-se de religiões pré-hispânicas da América Central. Para ajudar ao aluno que possivelmente iria responder às perguntas relativas a esse tema, havia uma série de informações constantes ao lado de cada quadro.
  • Na exposição internacional temos obras enfocando as diferentes maneiras dos povos se relacionarem com a religião. Parte desse espaço é reservado às religiões pré-hispânicas da América Central. Seus pensamentos são basicamente filosófico-religiosos e têm deuses como modelos ideais para seres humanos; há luta constante entre matéria e espírito e acreditam na existência de paraísos. Cite uma obra que retrata tais características.
     b) As informações que constam na próxima pergunta podiam ser encontradas no próprio museu. Nesse caso, o objetivo foi fazer com que o aluno observasse detalhes do quadro que confirmassem tais informações.
  • Dentro das religiões afro-americanas, por mais que os colonizadores tentassem impedir o culto às divindades africanas, os escravos encontravam meios de manter viva sua religião aproveitando a atitude permissiva de seus amos com relação às festas, à música e às diversões. Como você percebe tais manifestações nos quadros do Haiti?
     c) Partindo-se de uma frase explicativa sobre a arte NAIF que se encontrava no museu, buscou-se despertar no aluno o olhar que poderia captar essa variedade de temas num único quadro.
  • “A pintura naïf brasileira é muito rica e cheia de imprevistos. Devido à diversidade de temas relativos à fauna, à flora e ao sincretismo religioso e às suas várias etnias (...)”. Partindo deste comentário, quais temas podem ser identificados no quadro “Jardim Botânico (2000)”, e como eles estão envolvidos na realidade de nosso país?
     d) A próxima pergunta visa a trabalhar comparações entre quadros. Às vezes isso se prende ao tema, às vezes à forma de composição, às vezes a diferenças entre estilos de época, etc.
  • Os quadros “Amazônica feérica” de Chico da Silva, e “Amazônia”, de Aparecida Azedo, tratam do mesmo tema, porém sob pontos de vista diferentes. Identifique qual o enfoque dado por cada autor em sua obra e comente as impressões que cada uma tenha causado em você.
     e) Saber relacionar quadros a certas afirmações é um tipo de pergunta interessante, mas a que segue tem um traço original que vale a pena ser apresentado.
  • Identifique os quadros expostos no MIAN que se relacionam de alguma forma com os fragmentos de letra de música transcritos abaixo, justificando as razões da associação feita:
- “Rio 40 graus
    Cidade Maravilhosa
    Purgatório da beleza e do caos.
    Capital do sangue quente do Brasil
    Capital do sangue quente
    Do melhor e do pior do Brasil” (Fernanda de Abreu)

- “Abre a cortina do passado
    Tira a mãe preta do serrado
    Bota o rei Congo no congado” (Ary Barroso)

Para que fique mais evidente essa relação entre quadro e perguntas, apresento aqui mais alguns exemplos, agora com ilustrações, sabendo-se que o aluno só terá em mãos as perguntas e caberá a ele procurar, na exposição, a obra citada.
  • Para Botero, a família é o tema latino-americano por excelência. Podemos ver como dois grandes exemplos os quadros “A família” e “A viúva”. A) Descreva em detalhes o primeiro quadro e os pontos de confluência que há entre esse quadro e o mito cristão sobre a formação da família (Adão e Eva). B) A mulher é figura de destaque em ambos os quadros. O que as diferencia?
  • Uma das mais famosas obras de Picasso (datada de 1937) encontra-se exposta no Centro de Arte Reina Sofia (Madri). Ela retrata o horror de Picasso à guerra, ao ataque nazista sofrido por uma cidade espanhola, ferindo milhares e matando 2000 pessoas (crianças, mulheres e idosos; os homens haviam ido para o campo de batalha).
     a) Que obra é essa? Descreva algumas das imagens nela presentes que demonstrem o horror que Picasso nos tenta transmitir.
     b) Essa obra foi fotografada por Dora Maar e há uma seqüência mostrando a criação deste quadro. Que diferenças fundamentais há entre a foto I e a foto VIII?

O RESULTADO DO TRABALHO

        No final de cada semestre, os estagiários elaboram um relatório individual onde incluem uma análise crítica sobre os diferentes trabalhos desenvolvidos naquele período.
        Em relação ao trabalho do museu, é comum encontrar comentários sobre a dificuldade de realizá-lo, sobre o esforço despendido para se deslocar ao museu, sobre o impacto inicial provocado pela proposta, mas, invariavelmente, quase a totalidade dos alunos o classifica como um dos mais criativos, mais envolventes e mais prazerosos dos trabalhosos elaborados. Alguns, depois de formados, chegam a entrar em contato comigo para falar de alguma exposição que está em cartaz no Rio. Outros me relatam oralmente que passaram a gostar de ir a museus após a feitura do trabalho e que passaram a levar os seus familiares, que, por sua vez, também passaram a se encantar com o que vêem.
        O fato de perceber - quando falam da exposição visitada - o prazer que sentiram por ter estado ali, de ver como incentivam os demais colegas a irem à exposição, de ouvir seus comentários sobre - de tudo o que viram - o que mais gostaram, de ver a mudança provocada entre o primeiro trabalho entregue e o trabalho refeito, de verificar como passaram a ser mais autocríticos depois de refazerem o seu material, de ler suas análises finais sobre a tarefa executada (ainda que a tenham considerado árdua), e de ver enfim o crescimento desses estagiários, tudo isso me faz estar segura de que o caminho por mim trilhado pode não ser o melhor, mas com certeza se trata de um bom caminho a ser seguido.

REFERÊNCIAS

        Fernando Botero. Disponível em: www.karaart.com/botero/ Acesso em 2 set. 2003.
        Fernando Botero Online. www.artcyclopedia.com/artists/botero_/fernando.html/#imagegalleries Acesso em 2 set. 2003.
        Gombrich, E.H. (1983) A história da arte. 3ª ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores.
        Museo Botero. Disponível em: www.banrep.gov.co/blaavirtual/donacion/home.htm Acesso em 2 set. 2003.
        Museu Picasso. Disponível em:www.museupicasso.bcn.es/index.htm Acesso em 2 set. 2003.
        Museu Nacional de Belas Artes. (1998) Botero em Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, MNBA,
        Museus Castro Maia. Rio– Natureza e Cidade. s.l.: DL&B Sistemas e Mídia, s.d. CD-ROM
        Pablo Picasso – Olga´s Gallery. Disponível em: www.abcgallery.com/P/picasso/picasso.html Acesso em 2 set. 2003.
        Pablo Picasso. El sitio web oficial. Disponível em: www.picasso.fr/espagnol/index.htm Acesso em 2 set. 2003.
        Régnier, Gerard. (1997) O melhor do MUSÉE PICASSO – Paris. Rio de Janeiro, Editora Ática,

A AUTORA

        Ana Elizabeth Dreon de Albuquerque é professora de Espanhol do Colégio de Aplicação da UERJ; professora de Prática de Ensino de Espanhol III e IV – UERJ; professora do curso de especialização em língua espanhola – instrumental para leitura; professora de espanhol do curso pré-vestibular do SINTUFRJ; Mestre em Lingüística, título obtido com a tese: “Dificuldades de Leitura em enunciados de problemas de matemática” – UFRJ.